segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Sérgio Mazina Martins - Discurso de encerramento dos trabalhos

O programa de nosso evento previa, neste instante, o espaço para o encerramento de nossas atividades do 14º Seminário Internacional do IBCCRIM. Porém, na conclusão desses quatro dias de debates sobre as ciências criminais, a palavra que se invoca não é aquela de encerramento do que quer que seja, sequer de despedida, mas, precisamente, seu avesso.
Nesses quatro dias em que todos estivemos aqui reunidos, ouvindo e debatendo idéias com mais de uma dúzia de professores internacionais, e com quase meia centena de grandes mestres e pensadores brasileiros, talvez a grande lição a ser extraída desse enorme encontro seja, precisamente, aquela de que precisamos mais que nunca insistir, continuar e prosseguir juntos e unidos na busca e na construção de uma sociedade mais justa, mais pluralista, porém e sobretudo, mais tolerante.
Uma vez o historiador Eric Hobsbawn frisou que, a certa altura de suas tumultuadas revoluções, o século XIX havia redescoberto a “mais antiga de todas as tradições ideológicas humanas: a crença de que o homem é naturalmente um ser comunitário”. De fato, entenderam os revolucionários de então, e assim bem os leu seu historiador, que os homens naturalmente vivem juntos e se ajudam mutuamente. Disso resulta que a sociedade não é simplesmente uma contratação lamentável para que o homem possa fazer o que bem lhe agrada, mas, ao contrário, o verdadeiro cenário de sua vida, de sua felicidade e de sua individualidade e, portanto, o “locus” excelente de sua humanização: a sociedade não um espaço de mero e rápido trânsito, mas, sim, seu verdadeiro e mais primitivo lar. Nascer e viver, portanto, são experiências tocadas pela imanência do coletivo.
Fazer história nem sempre é inventar lições: às vezes é também o exercício de redescobri-las, ou da singela memória de sua sabedoria.
Talvez por acaso — ou, quem sabe, não por acaso — nos seus quinze anos de existência o IBCCRIM reacendeu essa lição antiga da união, da conversa e da convivência. Hoje, como sempre, estar no IBCCRIM é, portanto, estar junto. Antes éramos alguns que defendiam idéias e que pontuávamos uma crítica esparsa e difusa e, por isso mesmo, sumamente frágil. Por certo, mais que todos os outros ensinamentos, a trajetória do IBCCRIM nesses quinze anos reacendeu o ensinamento da construção de um teto, de uma casa comum que pudesse nos abrigar e reunir a todos. Fosse dado sintetizar — embora sem reduzir — poder-se-ia talvez dizer que aquilo que o IBCCRIM mais nos ensina e demonstra é que a ninguém — absolutamente a ninguém — é dado pensar e criar sozinho. O pensamento não simplesmente reclama: ele de fato é a própria alteridade.
Imaginamos equivocadamente, no início, que fossemos poucos: a ata de fundação do IBCCRIM tinha pouco mais de noventa nomes e isso já então nos entusiasmava. Quinze anos depois, no entanto, os números multiplicaram-se extraordinariamente e, hoje, o IBCCRIM reúne mais de 4.300 associados que se distribuem por todos os Estados da Federação, a maior parte, aliás, fora de seu Estado-sede, o que bem frisa a nacionalidade de nosso instituto. Nossas várias publicações veicularam dezenas de milhares de trabalhos e estudos acadêmicos, das mais diversas matizes científicas, realizando extraordinariamente o estatuto da interdisciplinariedade que se documenta na própria história de nosso Instituto. Consagram-se e multiplicam-se os cursos, seminários e eventos realizados pelo ou com o IBCCRIM, consolidando-se ou ampliando-se iniciativas como nosso curso de Direito Penal Econômico ou nosso Curso de Direito Fundamentais, ambos realizados em parceria com renomados institutos da Universidade de Coimbra, ou como nosso recém-lançado curso de pós-graduação em Criminologia, instalado há apenas alguns dias e após cuidadoso credenciamento junto ao MEC. Enriquecem-se nossos repertórios científicos, com a formação da mais atualizada biblioteca de ciências criminais do Brasil, cujos acervos bibliográfico e videográfico se disponibilizam aos associados de todas as partes do País. Afirma-se o site do IBCCRIM como o mais especializado meio de comunicação brasileiro em ciências criminais disponível na Internet, para acesso rápido e cômodo de qualquer parte do planeta.
Uma trajetória, um caminho em que foram a cada dia se agregando mais e mais amigas e amigos. Em 1995, ao realizarmos nosso 1º Seminário Internacional, redescobrimos que nas fronteiras, enquanto vizinhança, é que as idéias ainda mais se fortalecem, eis que as idéias são também, e necessariamente, laços e trocas. Desde então, o Seminário Internacional do IBCCRIM passou a recepcionar visitantes, com quem estabeleceu amizades cada vez mais íntimas e fortes, descobrindo sempre que a diferença não é uma distância, mas, bem ao contrário, necessariamente um forte argumento para a proximidade e para o diálogo.
Pelo Seminário Internacional do IBCCRIM, a cada ano, mais e mais visitantes foram assim surgindo e mais e mais irmandades foram sendo construídas. E parentesco é bem o caso, a começar por aquele mais caseiro que nos ofertam Portugal e sua Universidade de Coimbra, sempre representada na pessoa do eminente Prof. Jorge de Figueiredo.
Parentesco, ainda, com nossos amigos e irmãos da comunidade de língua portuguesa, especialmente d’África, terra de que também viemos e que tanto nos diz.
Parentesco, afinal, com nossos irmãos latino-americanos que, ao longo desses 14 Seminários Internacionais, sempre estiveram aqui presentes. Terras comuns: realidades também comuns, compartilhadas em experiências históricas por vezes trágicas, violentas e autoritárias, mas sempre capazes de ruidosos renascimentos. O Seminário Internacional do IBCCRIM consagra-se como um espaço para que todos nós, latino-americanos, possamos experimentar o exercício de dar os braços uns aos outros, erguendo uma irmandade forte e que, neste evento de 2008, se registra no retorno e na presença, entre nós, desses dois queridos amigos que são Luis Fernando Niño e Stella Mariz Martinez.
Enfim, o IBCCRIM construiu seu Seminário Internacional — podemos dizê-lo — a sua própria imagem e semelhança. Nada o confirma mais que a abnegada dedicação de seu corpo de trinta e dois funcionários que, vencendo o cansaço, os mais extraordinários contratempos, os problemas e as situações as mais imprevistas, outra vez dão o exemplo de jovialidade e simpatia que nos anima e faz, como sempre fez, continuar adiante. A equipe de funcionários e colaboradores — aqui sinteticamente representada pelo Presidente da Comissão Organizadora do evento, Dr. Carlos Vico Mañas — há de se reservar todos os agradecimentos por esse magnífico evento que certamente expressa o espírito de equipe e de criativa solidariedade que nosso corpo de funcionários é detentor.
O número recorde de participantes inscritos neste evento de 2008 mostra não somente a grandeza, mas também a certeza desse caminho inaugurado em 1992 por dois meninos — hoje aqui presentes neste auditório — que então descobriram que o segredo da jovialidade é, precisamente, a disposição de aprender e inventar, mas, desde que se aprenda e invente junto. Ao chegar à conclusão desse 14º Seminário Internacional, com esses tais meninos Alberto e Ranulfo, descobrimos que nosso evento é, como o próprio IBCCRIM, uma obra coletiva. Neste ano de 2008 temos não apenas o recorde de 1.015 participantes, porém, mais que isso, a gratificante confirmação de que estamos juntos precisamente porque nosso ideário sempre foi — e continua sendo —, bem a propósito, o ideário de um mundo que somente vale a pena de ser vivido na medida em que possa ser realmente compartilhado, para todos.
Estão, desse modo, concluídos os trabalhos do 14º Seminário Internacional do IBCCRIM.
Um forte abraços para todos vocês.
Sérgio Mazina Martins
1º VICE-PRESIDENTE DO IBCCRIM

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