segunda-feira, 10 de março de 2008

Espelho da Vida, Espelho de Morte

De louvável doutrina, a meio catalisador de consequências imprevisíveis, o jornalismo encerra em si o eixo entre o bem e o mal. Por ele pode passar o que há de mais lírico e belo, ao que prolifera de mais vil e deplorável. Mas como mero observador, nunca lhe pode ser imputado dolo.
Produzida por bons e maus homens, para maus e bons receptores, a comunicação social não é mais que uma extensão da sociedade.
Depende mais do crime que o crime depende dela mas, se necessário fosse, também passavam um sem o outro.
No entanto, é no perverso fascínio que o homem nutre pelo grotesco e (infortunadamente) pela infortuna alheia, que se apoia um jornalismo contemporâneo, tragicamente cada vez menos sensacionalista. É que a realidade é cada vez mais monstruosa.
Neste contexto, quase poderíamos dividir as notícias de cada manhã, tarde ou noite, em inofensivas e nocivas. As primeiras constituem a grande maioria de tudo o que é noticiado, desde relativas a economia, desporto, política, cultura, cidadania e mesmo as que relatam acidentes e catástrofes. As segundas, quase sempre inseridas no campo da criminologia, poderão ter repercussão lesiva, dependendo de variáveis de como a informação é transmitida, que matéria é abordada e, sobretudo, por quem é assimilada. Estou convicto de que há, efectivamente, um perigoso efeito de mimetismo despoletado por determinadas notícias em determinados receptores. Tomemos como exemplo o frenesim dos fogos florestais a cada Verão que passa. Sendo a grande maioria dos sinistros de origem criminosa, é crível que muitos destes sejam ateados, justamente, por acção indirecta dos media. Nos meses de sol, a actualidade política decresce, o enfoque informativo centra-se em matérias outrora não prioritárias, sejam fait-divers, novelas do crime real ou epifenómenos sazonais como os incêndios. Com a janela de oportunidade despoletada pelo destaque dado aos primeiros lumes, o pirómano mais leviano também quer ver as chamas do “seu fogo” na televisão e está lançado o rastilho para uma lamentável mania de idiotice gratuita; do Gerês a Monchique, para vigorar até Setembro. Não sejamos simplistas ao ponto de culpabilizarmos cada telejornal veraneante como fósforo para os incêndios da madrugada seguinte, mas que fomentam uma dinâmica de causa/efeito em mentes fracas/obscenas, disso não me parecem existir dúvidas.
A dissertação acima apenas serve para especular sobre a eventual propensão tornada nefasta de uma actividade tão nobre como o jornalismo. Em próximos ocasiões, exploraremos outros ângulos obscuros que um jornal, rádio, televisão ou serviço cibernético noticioso poderá assumir. E aí as vítimas não serão apenas eucaliptos ou roedores do mato.

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